Leda Nagle é o flerte com a delinquência. Com certa reputação na sua categoria de trabalho, ela possui a experiência necessária para que a gente respeite o conjunto da obra, de partida. Em uma escola esse tipo de situação também ocorre, quando é reconhecível o acúmulo, ao mesmo tempo em que, aos poucos, é possível perceber o que pode ser aproveitado, e o que talvez seja melhor deixar pra trás. Tudo bem até aí.

Até que aparece alguma situação irremediável, alguma tensão escolar em que essa experiência se transforma numa espécie de ativo-argumentativo. É quando surge o que você já desconfiava, aquela verdade que nós conseguimos esconder por um tempo, mas que cedo ou tarde aparece: vamos precisar discordar, e isso vai ter consequências no ambiente de trabalho de tantas formas que é possível entender quando você não quer dar esse passo.

Mas para conseguir entender isso eu prefiro mostrar o vídeo da Leda Nagle com o seu filho.

Até os 19 segundos do vídeo que circula pelo twitter, e pode ser acessado aqui, vemos a apresentadora Leda Nagle contando animadamente sobre a importância do uso de zinco, ivermectina, algo que teria ajudado o seu caso de Covid-19 não ser tão violento. Atentem, isso vem com a convicção da paciente que “falou com vários médicos, que foram muito atenciosos“.

Corta para o filho Dudu Nagle intervindo na fala da mãe com a expressividade costumeira. O conflito familiar começa, ele argumenta que ela esteve dentro de um quadro grave, e esse é o exato momento em que ela inicia um processo de produção de sinapses do negacionismo bem na nossa cara. O passeio pela loucura culmina com a baixada de cabeça aos 44 segundos, ali é o momento da mais profunda ignorância assaltando o nosso olhar.

No momento seguinte ela diz que “não foi grave” com a candura de quem pegou só uma gripezinha. Nisso entra o galã brechtiano dizendo que “Não, você foi grave“, seguido de um olhar sincero lancinante. É mãe e filho ali, no código mais íntimo de todos.

Você bateu na trave, você não sabe?

Meu Deus, eu acho que não quero saber” – diz Leda, balançando o corpo dentro de um sorriso.

Aí vem o drama:

Foi por um triz…

Leda se movimenta com a agilidade de quem momentos antes escutou uma história que não se encaixava de jeito algum nas sinapses produzidas pela sua mente. O corpo entrega o incômodo da morte, que sim, passou perto.

Eles devem tá apavorados… – diz Leda ao filho, enquanto arruma o cabelo – eu tô apavorada com essa realidade…

No último terço vem a interpretação de Dudu, com falas e gestos que representam o que se passou no momento decisivo da da mãe na luta contra Covid. Ela está ali, presa na armadilha que criou, na armadilha que o filho denunciou.

É importante frisar que Leda Nagle faz o vídeo sendo adornada pela ajuda de um oxigênio através do nariz.

Voltando…

Assistir a esse vídeo é assistir a minha vida na escola pública, ou pelo menos uma situação que eu vejo diante dos meus olhos: o negacionismo escolar. Ele se traveste de certo afeto verdadeiro, no sorriso difícil de driblar, ou de projetar qualquer tipo de ódio. Por outro lado, ele se vale de um lugar de fala que, invariavelmente, resvala para o tempo, para a métrica da experiência acumulada – que sempre será maior que a nossa.

Assim, a escola real, a que mora em 2020 é insistente negada por um universo paralelo de referências tão duvidosas quanto sinceras em sua ingenuidade. Uma pedagogia artesanal convive com a velocidade do meme, e o resultado disso certamente varia em cada escola.

Encurralado entre a certeza da diferença geracional, o respeito pelo acúmulo e a necessidade de achar os espaços próprios – talvez os mesmos que já foram buscados pelas próprias colegas anos atrás – se mover nesse cenário é um desafio dos mais cansativos na escola. Ele exige, sobretudo, uma série de recursos pedagógicos e emocionais.

Aos poucos, e com o tempo , acredito que o nosso próprio lugar passa a existir. A alteridade irá se impor a tal ponto que a linha no chão passa a ser respeitada. O nosso próprio acúmulo passa a falar por si, recriando essa engrenagem vital para a existência do próprio Magistério.

Até isso acontecer, e caso não se desista no meio da caminho – o limbo é sempre uma escolha – o jeito é seguir tentando se esquivar da fonte Comic Sans, e continuar acreditando que a sala dos professores não é o lugar mais sensato de uma escola.