Início da carreira. Os três primeiros anos na escola de lotação me permitiram acompanhar uma turma do primeiro ao terceiro do Ensino Médio, a melhor coisa para fazer um trabalho em longo prazo. Não que isso fosse assim tão claro na minha cabeça na época.

Lembro bem de alguns estudantes. A que falava super bem, a líder, o silencioso, os dois guris que não se desgrudam, o que sempre entregava a primeira prova em branco. Todo professor cria esses marcadores do cotidiano escolar.

Um desses alunos era “o fotógrafo”. Ele basicamente sempre queria tirar as fotos. Toda e qualquer atividade que precisássemos registrar ele estava ali, disposto a mostrar o que estava aprendendo.

No ano seguinte ele não só fotograva, mas também fazia vídeos. Já sabia que ele ia perguntar se podia apresentar o trabalho sobre Revolução Industrial com uma montagem de imagens e trilha sonora. E a minha resposta era sim, acompanhado de algum pedido como: “Se ficar bom tu te anima a apresentar na outra turma junto comigo?”

Mas foi com a atitude de gravar o protesto de um cadeirante em uma das ruas mais movimentadas da cidade que eu me assustei. Hoje eu sei o que esse sentimento significava.

Não só foi a atitude dele em registrar, mas como ele também se ocupou de criar uma certa linha narrativa para o que estava acontecendo. Lógico que a experiência da televisão estava ali, mas havia a estrutura sendo dominada e, ao final, um crédito em que ele apresentava-se como “Editor”.

A conversa começou a ser outra. Agora era eu que pedia para que ele fizesse trabalhos cada vez mais alheios, como me ajudar com materiais de outras séries, ou em projetos que eu desenvolvia na escola.

Ele começou a chamar os próprios trabalhos que entregava de “projetos”. Reconheço que também aconteciam golpes, como atrasos por motivos duvidosos, ou preguiças por pura adolescência.

E aí entrou uma entendimento que talvez só fui perceber com clareza em 2019: quem tem a própria turma como primeiro público cativo ganha o mundo se quiser. E ele tinha a turma dele como fã e incentivadores de primeira hora – o que falava muito sobre o caráter que estava ali, em formação.

O trabalho em uma dessas empresas que produzem festas e vendem pacotes de fotografia e filmagens aconteceu no terceiro ano do Ensino Médio. Aqui alternava a baixa rotatividade em sala de aula com o alto número de trabalhos que precisava cumprir na empresa. Completar o Ensino Médio na vida de milhões de brasileiros é uma batalha incrivelmente dura, nós todos sabemos.

Em meio a isso um fato curioso. Aconteceu uma disputa eleitoral na escola, a qual estávamos em lados distintos. E esse laço de admiração em nada foi abalado, e a condição de aluno e professor pareceu até ainda mais consolidada. Havia um respeito mútuo de quem entendia os motivos de cada um estar de um lado politicamente, simples assim.

Faz pouco tempo descubro pelas redes sociais que esse mesmo aluno é fotógrafo profissional, e tem uma empresa. Isso parecia óbvio quando essa história começou?

Agora tente entender que essa obviedade não existia quando os obstáculos se apresentavam de forma concreta na vida desse aluno. Some isso às urgências da vida em comunidade periférica que nem sempre respeitam sonhos e talentos. O que não faltam são motivos para essa história não estar sendo contada.

São essas as vitórias que acumulamos silenciosamente. E elas chegam dentro do tempo, quando é possível ver essa linearidade em que você também percebe ser um dos responsáveis por uma virada de chave irreversível, a da autonomia na vida de alguém.